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voltarO futuro das empresas familiares
Falta de profissionalismo e de habilidade dos herdeiros pode por fim ao negócio; conselho de administração e assessoria especializados ajudam na sucessão
As empresas familiares têm grande importância econômica no Brasil, abrangendo cerca de 85% do universo das companhias nacionais. Pesquisas apontam, porém, que 70% do total não resistem à morte do fundador, somente 30% passam da segunda geração e apenas um pequeno número vai além da terceira geração. A falta de profissionalização e a inabilidade para lidar com conflitos internos são alguns dos problemas que afetam a sobrevivência dessas empresas.
''Muitas (empresas) tem um líder visionário, que conseguiu vislumbrar um negócio à frente do seu tempo. Mas isso não é hereditário e as empresas podem não ter um herdeiro com essas características. E se não existe alguém na família com expertise suficiente, as chances de insucesso são muito grandes'', avalia Adriana Maria André, professora do MBA de gestão estratégica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. Ela afirma que as companhias familiares devem ter uma ''cúpula administrativa profissionalizada'' por meio da formação de um conselho, composto tanto por membros da família quanto por profissionais de fora - executivos com experiência administrativa.
É fundamental, segundo a professora, que o processo de sucessão seja iniciado antes da morte do fundador. ''E se a sucessão for ficar realmente com a família, há que se discutir e analisar qual membro (da família) é o mais adequado (para conduzir os negócios)'', observa. Adriana adverte que as decisões baseadas somente no ''feeling'' diminuem as chances de perenidade do negócio. Ela cita como exemplo bem-sucedido de empresa familiar de grande porte no Brasil o Grupo Pão de Açúcar, conduzido por Abílio Diniz. Na opinião da professora, no mercado atual uma empresa familiar precisa, antes de tudo, de um diferencial competitivo, levando em conta as necessidades de inovação.
As características da cultura brasileira, conforme Adriana, também têm influência sobre os índices de insucesso das empresas familiares. ''De um modo, geral, os brasileiros não são tão rígidos com a educação dos filhos, enquanto que em alguns países europeus os filhos já são preparados para entrar no negócio da família desde que nascem'', considera.
'Pai rico, filho nobre, neto pobre'
Para Domingos Ricca, consultor especializado em empresas familiares de pequeno e médio porte, em São Paulo, a sucessão é um momento delicado na história de qualquer negócio. ''Se os objetivos do filho forem os mesmos do pai, o processo se torna mais fácil. Caso contrário, o conflito se instala e pode abalar a harmonia familiar e afetar o futuro da empresa'', diz. Ele afirma que em um negócio que tem como base a unidade familiar é preciso considerar três perspectivas: a família, a empresa e a propriedade. ''O herdeiro deve entender a empresa (não necessariamente gerenciá-la), administrar as posses e vivenciar a unidade familiar''.
Ricca também defende que o processo de sucessão seja iniciado antes da morte do fundador e propõe a formação de um conselho de administração com assessoria de profissionais especializados. ''Este conselho vai reunir possíveis sócios e herdeiros, evitando que as decisões do negócio sejam discutidas pela família em casa.'' O consultor diz, no entanto, que em primeiro lugar a família deve definir um caminho a seguir para depois procurar ajuda no processo de sucessão.
''Definido o caminho, a empresa pode convocar profissionais de finanças, planejamento, recursos humanos e investimentos, que depois também podem se tornar conselheiros por um período de um ano, por exemplo'', avalia. A conduta, segundo Ricca, vai ajudar na perpetuação do negócio num mercado cada vez mais competitivo.
Por experiência na área, o consultor afirma que os conflitos de ''ego e poder'' são comuns em empresas familiares e se agravam na terceira geração. ''Em geral, há mais desgaste por causa da influência de noras e genros''. A profissionalização do processo sucessório, segundo Ricca, vai determinar se o futuro de uma empresa familiar seguirá o ditado ''pai rico, filho nobre, neto pobre''.
Um negócio a caminho da quarta geração
A P.B. Lopes - concessionária Scania, com matriz em Londrina, é um exemplo de negócio familiar bem-sucedido que chegou à terceira geração. A empresa nasceu com o nome de Irmãos Lopes, em 1950, capitaneada pelo espanhol José Lopez Lopez. Embora não tenham seguido exatamente o que diz a cartilha de consultores sobre sucessão em empresas familiares, os Lopes já estão encaminhando o negócio para a quarta geração.
Filho do meio de uma família de sete irmãos, José Lopez Lopez chegou a Londrina na década de 1930. Tinha espírito de liderança e foi abrindo caminho para a família crescer. Comprou primeiro uma sapataria em Londrina e, em 1937, já casado (com Amélia Barbosa Lopes), mudou-se para Ibiporã, onde teve ''secos e molhados'', açougue, posto de gasolina, depósito de cereais, máquina de beneficiar café, entre outros. ''Foi trazendo os irmãos para trabalhar com ele, expandindo e fazendo sociedades. Era autodidata, nunca foi para a escola. Mas, para mim, ele foi a melhor escola'', conta Pedro Barboza Lopes, 71 anos, o primeiro dos cinco filhos (um faleceu quando criança) de José e Amélia.
Em 1950, nasceu a Irmãos Lopes, com a criação de uma concessionária, que inicialmente representava a marca De Soto - também vendia eletrodomésticos -, depois Mercedes-Benz (1957) e mais tarde Scania (1966). Os negócios não paravam de crescer. Em 1997 - José e Amélia já tinham falecido - foi feita a cisão da sociedade. Pedro Lopes conta que o patrimônio foi avaliado e dividido em pacotes equivalentes. Havia empreendimentos em quatro frentes: concessionária, transporte coletivo, construção civil e agropecuária. ''Houve um sorteio entre os quatro irmãos. Depois, começamos a negociar entre nós. Como desde 1962 já tinha assumido a gerência da concessionária, fiquei nesse segmento'', lembra ele, que também herdou negócios na agropecuária.
A partir da cisão, nasceu a P.B. Lopes (em 1997) e os três filhos de Pedro Lopes e Maria Cristina de Andrade Lopes assumiram postos nos empreendimentos da família. Daniela, 44, é responsável pela administração geral da P.B. Lopes, que tem seis concessionárias no Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, além de quatro postos avançados. Rodrigo, 43, começou no setor de informática da empresa e hoje gerencia uma transportadora da família. O caçula, Gustavo, 41, está à frente da propriedade rural de dois mil alqueires, que cria gado Nelore.
A terceira geração assumiu a empresa familiar por opção. ''O princípio sempre foi o respeito pela habilidade de cada um. Estamos dando continuidade à uma visão empreendedora (iniciada pelo avô) e agregando outros valores. O papel da nova geração é trazer o novo ao negócio '', diz Daniela. ''Nunca há imposição. Quando precisamos tomar decisão que envolve patrimônio, por exemplo, formamos colegiado (entre a família) para conversar'', destaca Rodrigo. Eles dizem, porém, que não há conselho administrativo formado. Pedro Lopes é o diretor-presidente da empresa e, por tradição, é sempre consultado sobre as principais decisões.
Para que a quarta geração seja agregada ao mundo dos negócios, a família criou um programa de sucessão, que consiste em visitas organizadas às empresas, com envolvimento no dia a dia. O primeiro a trilhar esse caminho será o neto mais velho, José Pedro, 11 anos. ''Vamos começar com doses homeopáticas. O que aconteceu de forma natural com a gente (terceira geração), vamos sistematizar com eles (quarta geração)'', conta Daniela. (G.M.)
Dificuldades são maiores no campo
No campo, a sucessão familiar é um assunto ainda mais delicado. Os problemas enfrentados pela agricultura e, muitas vezes, a falta de incentivo por parte da própria família afastam os jovens das propriedaes rurais. ''A família cresce e a propriedade não. Hoje, uma família com três ou quatro jovens não consegue comportar todo mundo. Se o agricultor puder comprar mais terra, aí sim será mais fácil aglutinar os filhos'', avalia o engenheiro agrônomo Sérgio Luiz Carneiro, coordenador do projeto Redes de Referências para Agricultura Familiar do governo do Estado.
Segundo Carneiro, os principais problemas estão nas pequenas e médias propriedades, onde os jovens relatam que não recebem incentivo por parte da família. ''Eles dizem que crescem ouvindo dos pais: 'não quero que você sofra o que eu sofri''', relata. O agrônomo afirma que muitos pais, quando jovens, não tiveram a oportunidade de estudar e escolher uma profissão, então se sentem obrigados a encaminhar os filhos para a faculdade. Isso pode afastar as novas gerações do campo, mas também pode profissionalizar a atividade. ''A atividade rural é complexa e o estudo ajuda na boa capacidade gerencial''.
Outro problema, segundo Carneiro, é que muitos pais não dão autonomia para os filhos na atividade rural. O caminho para tornar o negócio atrativo, conforme o agrônomo, é aproximar os filhos do trabalho no campo desde a infância, nunca deixando de remunerá-los. ''A vocação tem que ser respeitada, é claro. Mas é bom mostrar que é possível criar um projeto de vida no campo. Hoje, com a tecnologia, tudo ficou bem mais fácil'', pondera. (G.M.)