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voltarUm olhar para dentro: como manter a saúde mental no trabalho, seja presencial ou não
O home office (expediente remoto), antes priorizado em determinadas áreas de atuação, mostrou-se uma alternativa possível diante do distanciamento social imposto pela pandemia da covid-19
A relação entre os modelos de trabalho e as condições emocionais encontra eco no histórico dos últimos dois anos. O home office (expediente remoto), antes priorizado em determinadas áreas de atuação, mostrou-se uma alternativa possível diante do distanciamento social imposto pela pandemia da covid-19. Mesmo com a flexibilização de regimes de trabalho, no entanto, é preciso considerar os impactos em relação à saúde mental, seja na rotina presencial ou não.
Ansiedade, síndrome do pânico, depressão e burnout são diagnósticos recorrentes e podem ser agravados no ambiente corporativo. Episódios considerados adversos nesses espaços têm potencial de virar gatilhos mentais negativos. Os cenários podem envolver, por exemplo, sobrecarga de trabalho, atividades estressantes, cobranças excessivas (a busca por metas e resultados), preconceito e discriminação. Coisas, pessoas e situações podem desencadear sofrimento psicológico e emocional.
Neste primeiro material da série Um olhar para dentro, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) reúne reflexões e histórias sobre os impactos dos diferentes regimes de trabalho no bem-estar individual e coletivo, a manutenção da saúde mental de trabalhadores e as possibilidades de prevenção do adoecimento. A iniciativa faz parte dos objetivos pautados pela campanha Janeiro Branco.
No contexto pandêmico, a jornalista Cinthia Freitas, de 34 anos, teve de aderir ao trabalho remoto – como a maioria dos profissionais que até então estavam em regime presencial. Nesse período, ela recorreu à licença por duas vezes devido a complicações em sua saúde mental.
A primeira foi em 2020, e agravou-se em decorrência das medidas de isolamento social e das incertezas sobre o futuro. Foram 15 dias afastada. “Essas situações foram a gota d’água, como se tivesse acionado um botão e causado a explosão de tudo que estava represado”, relembra.
Com uma rotina intensa e diante de pressão na produtividade, Cinthia afirma ter se preocupado, à época, em responder às demandas de forma imediata para não parecer “deslocada” do novo ritmo de trabalho. “A tensão do dia a dia só aumentou. As cobranças continuavam iguais, embora tudo ao redor estivesse diferente”, diz a jornalista.
O segundo afastamento ocorreu em 2021 e durou um mês. De acordo com Cinthia, o suporte emocional e a atenção dada aos trabalhadores devem ser a regra.
Ela pontua a importância de gestores observarem os aspectos profissionais e pessoais de cada pessoa. “O modelo de trabalho ideal seria um que fosse gerenciado com acompanhamento de profissionais especialistas em saúde mental, considerando aspectos individuais, sociais e políticos. Um formato adequado às diferentes realidades”, sugere.
As microrrevoluções na rotina laboral emergidas na pandemia chamaram a atenção da psicóloga Alussandra Brandão. O formato massificado de produtividade, segundo ela, considera cada pessoa uma peça-chave na entrega de resultados. Essa estrutura não observa, porém, a individualidade e o tempo de cada um.
Uma lente de aumento foi posta sobre o tema durante os meses de reclusão. Brandão pondera que o avanço da covid-19 implodiu o conceito de trabalho. Antes, tratava-se de uma padrão enrijecido, no qual todos são iguais e entregam os resultados da mesma forma. Agora, é preciso considerar o contexto e as especificidades.
“O que aconteceu com essas pessoas – com acesso e oportunidades – foi que elas descobriram outra maneira de se relacionar com o próprio tempo e com o fazer. O horário de trabalho também foi colapsado, então, escutamos frequentemente sobre como elas perderam totalmente essa referência de início e fim de do trabalho. Tudo se misturou”, avalia.
Pedidos de demissão
Apesar da crise econômica durante os últimos dois anos, o Brasil registrou, de julho de 2021 a julho de 2022, cerca de 6,5 milhões de pedidos de demissão de trabalhadores com carteira assinada. O dado é do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Uma das ponderações da pesquisa é de que esses funcionários já não enxergavam mais o emprego exercendo o papel central em suas vidas.
Foi o caso da publicitária Lais Tavares, de 26 anos. A jovem iniciou transição de carreira em meio a uma etapa dolorosa de adoecimento mental.
Antes do período de isolamento, ainda em 2019, Lais acumulava pressões e cobranças que resultaram em dois diagnósticos: ansiedade e depressão. “Comecei a viver irritada, a não conseguir comer direito. Tentava aliviar estresses com álcool e buscar prazer de outra forma, já que estava imersa em problemas profissionais das 6h30 às 20h30”, recorda.
Ao fim de 2020, ela teve outro diagnóstico: burnout. “Tive uma crise de pânico por não conseguir fazer uma apresentação de slides.Toda a minha energia vital era focada em conseguir sobreviver a mais um dia de trabalho”.
Com acompanhamento psiquiátrico, uso de medicamentos e retomada das atividades físicas, Lais decidiu interromper o ciclo. Hoje, ela trabalha com análise de negócios, de forma remota, para uma empresa de consultoria de Marketing Analytics, situada em São Paulo.
A jovem agora organiza seu próprio horário, tem reuniões frequentes de feedback e de integração com a equipe. Além disso, mantém contato direto com os líderes do seu setor responsáveis pelo desenvolvimento pessoal e profissional dos integrantes do grupo.
Gestores, atenção!
Alussandra Brandão reforça a necessidade de os gestores terem mais atenção com os funcionários. Para a psicóloga, dar visibilidade ao tema no espaço de trabalho, seja presencial ou não, deve ser priorizado pelos líderes. “Falar sobre gestão de pessoas hoje, necessariamente, é estar atento aos sinais de cada um da equipe”, ensina.
A profissional destaca a importância do olhar cuidadoso da gestão sobre o trabalho desempenhado por cada colaborador. “É uma atividade que ele tem entregado bem? Como essa potencialidade pode ser otimizada? Como otimizar o perfil daquele colaborador?”, provoca.
Janeiro Branco: um olhar sensível para a saúde mental
O primeiro mês do ano inspira pessoas a refletir sobre os meses que virão, seus objetivos e resoluções. A campanha Janeiro Branco é um movimento dedicado à construção e ao debate de temáticas sobre saúde mental entre indivíduos, instituições e autoridades.
O movimento também é um apelo para a construção, o fortalecimento e a disseminação de uma cultura de promoção da saúde mental que estimule a consolidação de iniciativas e de políticas públicas.